Un beau soleil intérieur

Assisti ontem a “Um belo sol interior”. Filme francês de 2017, dirigido por Claire Denis, ambientado em Paris e protagonizado por Juliette Binoche, uma mulher de 50 em busca de uma relacionamento verdadeiro e duradouro. Não indicado para menores de 40 e que não viveram esse circuito marido-filho-divórcio (vão achar clichê e enfadonho). É um filme devagar, como a maioria dos filmes franceses. Cheio de entrelinhas, de coisas pra pensar. E termina antes do fim, como de praxe.

Isabelle é uma artista plástica, com uma filha de dez e um ex-marido que de vez em vez aparece e, em um dado momento, a faz pensar era feliz com ele (só que não). Ela está com a vida “prática” organizada, mas emocionalmente está em um limbo.

A palavra que ecoa é cansaço. Ela esta cansada de buscar e não encontrar. Ela tem pressa e só o que lhe ocorrem são homens mal casados, entediados, confusos ou acomodados em busca de aventura, tempero e distração. E em cada experiência ela se ilude, desesperada por sair da situação de “abandono” emocional. E se despedaça um pouco mais.

Isabelle esqueceu de si. Ficou desamparada de auto-cuidados.  Abandonou-se. E isso chega a ser trágico porque, além de um parceiro, precisa de alguém que a resgate desse lugar em que se deixou levar.

Nesta altura da vida cada um carrega uma mochila cheia de êxitos e fracassos. O sol interior vai depender do que cada um faz com o que experiencia. Uma luz intensa, viva, brilhante e quente traz felicidade pra que a cultiva. E um grande amor não vem para salvar. Vem para somar e ampliar essa energia.

Transcrevo aqui o pensamento de Diego Engenho Novo, e que me representa!

“Chegou ao meio da vida e sentou-se para tomar um pouco de ar. Não sabia explicar. Não era cansaço, nem estava perdida. Notou-se inteira pela primeira vez em todos esses anos. Parou ali, entre os dois lados da estrada e ficou observando as margens da sua história, a estrada da vida ficando fininha, calando-se de tão longe que ia.

Estava em paz observando a menina que foi graciosa, cheia de vida. Estava olhando para si mesma e nem notou. Ali, naquele instante estava recebendo um presente. Desembrulhava silenciosamente a sabedoria que tanto pediu para ter mais.

Quando a mulher chega à metade da estrada da vida, começa lentamente a ralentar o passo. Já notou como tem gente que adora conturbar a própria rotina, alimentar o próprio caos? Ela não. Não mais. Deixa que passem, deixa que corram, a vida é curta demais para acelerar qualquer coisa. Ela quer sentir tudo com as pontas dos dedos, ela quer notar o que não viu da primeira vez. Senhora do seu próprio tempo.

Percebeu, à metade da vida, que caminhou com elegância, que viveu com verdade, que guiou a própria sombra na estrada em direção ao amor. E como amou! Amor por si, pelos outros, amou em dobro, amou sozinha, amou amar. A mulher ao centro da vida traz a leveza que os anos teceram, pacientemente. Escuta bem mais, coloca a doçura à frente das palavras, guarda as pessoas com preciosismo. Aquela mulher já perdeu pessoas demais.

Ao meio da estrada, ela já não dorme tanto, mas sonha bem mais. Sonha pelo simples exercício de sonhar. Sonha porque notou que é o sonho que tempera a vida. Aprendeu a parar de ficar encarando as linhas do corpo. Seu espírito teso, seu riso aberto, sua fé gigante não têm rugas, nem celulite, sem encanação. Descobriu que o segredo é prestar atenção no melhor das coisas, nas qualidades das pessoas, nas belas costas que tem e deixá-las ao alcance da vista dos outros.

Sentada ali, ao centro da própria vida, decidiu seguir um pouco mais. Há mais estrada para caminhar, mais certezas para perder, mais paixão para trilhar. Não há dádiva maior do que compreender-se, que encontrar conforto para morar em si mesmo, que perdoar-se de dentro pra fora. Ao centro da vida ela descobriu que a gente não se acaba, a gente vai mesmo é se cabendo, a cada ano um pouco mais.” (A mulher ao centro da vida)

Imigrantes

Eu sou bisneta de italianos e bisneta de alemães. Gosto de estudar a saga dos antepassados porque foram corajosos, audaciosos e destemidos ao decidir deixar o seu país. No geral, os imigrantes do final do século XIX vinham para a América com poucos recursos, fugindo da miséria. Do meu lado italiano, o pai da minha avó materna veio solteiro, desembarcou no Rio de Janeiro e logo veio para o interior do Rio Grande do Sul, estabelecendo-se definitivamente no noroeste. Já a mãe da minha avó tem outra narrativa. Ao que tudo indica, o ano de 1874 marca a chegada dos primeiros tiroleses de língua italiana ao Brasil, a bordo do navio La Sofia. Os pais da minha bisa vieram solteiros da Áustria, hoje território italiano, desembarcaram no Porto de Itajaí e fizeram história no Caminho Tirolês, SC, antes de migarem para o RS. Os pais do meu avô materno também vieram solteiros, cada qual com sua família, desembarcaram em São Paulo e lá ficaram trabalhando em fazendas de café, até receberem a notícia de que o governo estava disponibilizando terras a preços subsidiados e muitos anos para pagar. Vieram todos para o mesmo lugar, tiveram filhos, meu avô e minha avó se conheceram e nasceu minha mãe. Uma história entre tantas outras muito parecidas.

Nesse final de semana tivemos o segundo encontro da família Bigolin, da qual descende a minha avó materna. Um encontro fantástico, de pelo menos seis gerações vivas, honrando a luta e comemorando as vitórias dos antepassados que nos possibilitaram estar aqui.

Estudos científicos afirmam que “as experiências de nossos ancestrais modelam nossa própria experiência de mundo, não só através da herança cultural senão através da herança genética. O DNA não muda propriamente, mas as tendências psicológicas e de comportamento são herdadas. Assim, talvez não tenha só os olhos do seu avô, senão também seu bom caráter e sua tendência à depressão.”

Na medida em que vou descobrindo fatos e estudando os contextos, vou recriando épocas e encontrando “coincidências” incríveis. Nesse encontro de família – cheio de fotos, objetos, documentos, ao ouvir narrativas dos parentes (como do neto do primo do meu avô!), eu fazia conexões com as histórias de vida que temos eu, meus irmãos, minha mãe e meu filho. Nós não temos só as características físicas. Nós identificamos meu avô quando rimos de uma piada e contamos de novo a mesma pra rir mais. Nós gostamos de música e instrumentos (longe do país, com vizinhos de diversas nacionalidades, a música, os ritmos os aproximava). Nós somos resistentes quando precisamos ser. Nós somos otimistas (porque eles acreditavam que seriam felizes na America). Nós gostamos de vinho (e sabemos fazer). Nós economizamos para o caso de um dia faltar (porque geneticamente já vivemos essa experiência). Enfrentamos a solidão. Plantamos e colhemos. Nós gostamos de estar juntos, em muitos. Nós nunca estaremos sozinhos.

Os meus bisavós são sobreviventes. E toda história está em nós. A conexão, além de mantê-los “vivos”, nos possibilita curarmos feridas imemoriais, transformando em positivas as heranças negativas que carregamos mesmo sem conhecer. Reforçamos nossas raízes e ampliamos nosso voo para as gerações que vêm depois.

Fonte: http://revistacarbono.com/artigos/03-epigenetica-e-memoria-celular-marcelofantappie/

Capital Inicial

Tive uma infância bem normal, sem tragédias ou grandes traumas. Foi feliz e… modesta. A gente andava a pé. Viagens eram raras e de ônibus e pra cidades vizinhas. Os trajetos eram conhecidos: Vila Alegria, por Independência ou pela Barrinha; e Boa Vista do Buricá. Eram onde viviam os meus avós. Distâncias curtas para demoradas viagens em estradas de chão e pedra.

Eu voava na imaginação ouvindo algumas colegas contando sobre aviões, navios, metrô, avenidas, grandes centros, Disneylândia e praias.

Então, aos 11 anos, tive a minha primeira experiência em viagens longas. Eu e duas das minhas irmãs mais velhas fomos para uma Colônia de Férias na Praia do Cassino. Era verão, calor e depois de 12 horas viajando, eu estava na praia! Uaaau, que maravilha. Dormir em beliche era uma festa. Banheiro coletivo, algo estranho. Mas foi uma experiência inesquecível ver o mar, sentir a brisa forte (depois descobri que se chamava nordestão), caminhar por aquela vasta extensão de areia e poder olhar para um horizonte sem fim. A Colonia ficava a léguas da praia. Algo como 12 quadras. Mas quem se importava? Conheci muita gente e senti meu coração bater mais forte por um menino da minha idade. Ele jamais soube disso, mas reapareceu na minha vida 15 anos depois. Assunto para o post n. 15.

Bueno, a segunda viagem mais importante da minha adolescência foi para conhecer a capital Porto Alegre. Aos 14 anos, eu tinha duas irmãs morando lá. Uma delas estava recém-casada e o marido havia conseguido uma bolsa de estudos para fazer mestrado na UFRGS. Moravam na Av. Bento Gonçalves. A outra minha irmã era freira e morava no Colégio Navegantes. A viagem de ida foi no ônibus da madrugada, porque chega de manhã e a gente pode aproveitar o dia. Quem consegue dormir em ônibus? Naquela época, eu não. Ainda mais com toda a ansiedade de chegar, a adrenalina pelo medo da cidade grande. – Presta a atenção por onde anda. – Veja se não está sendo seguida. – Segura bem a bolsa. – Não mostra dinheiro na rua. Toda Porto Alegre sabia que eu era do interior. Mas eu não estava só. Minha terceira irmã estava comigo.

Parênteses: eu sou a filha caçula de uma grande família. Entre minhas quatro irmãs e eu, nasceram três lindos meninos.

Uma noite sem dormir e eu louca para desbravar a cidade. Minha irmã mais experiente me levou para a Rua da Praia, no centro, e arredores. Que overdose de sons, imagens, movimento, gente, cheiros, sentimentos. Loteria, o último número. Promoção, só hoje. Venha ver as novidades que temos para esta estação. Raspadiiinhaaa. Torrone, amiga? Moça, tem um trocadinho? Guria, ajuda por favor essa mãe que tem os filhos pra criar. Perdi o emprego. Não? Compra um par de meias, vizinha! E os homens vestidos com placas “Compro Ouro”. Cheiro de pastel, de cola, de roupa nova, de esgoto, de pão fresco, de mofo, de café, de perfume barato, de batata frita, de lixo. Vitrine, coisas, gente, poste, placa, banco, sapatos, confeitaria, aviamentos, relógios. Salto alto, mendigo, executivo, luxo, lixo, teias de aranha, prédios decadentes, prédios novos, modernos, livraria, sebo, escada rolante, cinema, ônibus, ônibus, ônibus, gente, gente, gente. Caminha, não para. Bolsa pra frente. Tudo era perto demais para os meus olhos de topo de árvore, de por do sol. Tudo era claro demais, cimento demais, vidro demais. Deslumbramento, medo, cansaço, curiosidade. Vamos embora. Vamos pegar um ônibus na Salgado (Filho).

Curva aqui, curva ali, velocidade, meus olhos se fechando, a retina gasta, cabeça cansada. Dormi. apaguei escorada sobre meus braços apoiados no encosto da frente. Sonhei que estava no pátio de casa, que fazia silêncio de entardecer. E fui acordada na Bento, pela minha irmã.

Que bom estar em um refúgio, em segurança, protegida pela família. Logo chegou a hora de dormir e eu me deitei pensando na intensidade do dia. Fechei os olhos e passei a ouvir os ruídos da rua. Não cigarras, nem corujas, mas o abrir e fechar das portas dos ônibus, sirenes de ambulância, de polícia, freadas, buzinas, roncos de motor, batidas de porta, gente conversando, bêbados cantando. Eram duas, eram três, eram cinco da manhã quando eu, vencida pelo cansaço, adormeci.

Acordei as 8 horas com o som de colher na xícara. Eram minhas irmãs preparando o cafe porque logo sairíamos para o Navegantes. – Quero ir pra casa, pensei.

Tomamos um ônibus que não chegava nunca. Curva aqui, curva ali, velocidade, freada, abre porta, fecha porta. – Seeegueee!, gritava o cobrador. Duas noites quase nada dormidas, cheiros, sons, imagens, leite, se misturaram no meu estômago e eu fiquei verde. – Puxa a cordinha que eu vou vomitar!  Minhas irmãs não ouviram. O ônibus parou, alguém desceu e eu desci junto. E abraçada numa das únicas árvores da calçada eu devolvi a cidade que não me fez bem. Logo apareceram minhas irmãs e caminhamos juntas até o Navegantes. Bendito seja o chá de boldo que me fez respeitar Porto Alegre.

Era raro estar com minha irmã mais velha, e sempre bom. Conversamos algumas horas, visitamos o colégio, o jardim, a capela, o quarto dela; fizemos lanche no refeitório das freiras  – um privilégio para poucos.

No fim da tarde já estávamos na rodoviária, prontas pra voltar pro interior onde a gente vê o manto das estrelas, ouve o bem-te-vi quando amanhece, conversa com os vizinhos. Lugar onde, às vezes, ainda falta luz mas tem vaga-lume e a gente senta em roda para conversar. E quando acaba o assunto, um violão faz serenata ao luar. Onde o silêncio da noite traz a paz que embala o sono.

O ônibus chegou. Abraço minhas irmãs de quem sentirei saudade. Sorrio pra mim e me despeço da capital. Deu pra ti baixo astral! Vou pra Três de Maio, tchau!

 

P.S. Nada é para sempre. Hoje eu sigo a fan page Eu Amo Porto Alegre!

Argentina

Argentina acabou de ser desclassificada da Copa do Mundo. Mas que jogo! França jogou muito. Argentina jogou o que pode. Não foi um jogo. Foi um tango. Dramático. Com esperança até o final. Passei nervosismos e ansiedades, porque meu coração não bate, ele late. Mi corazón late no compasso de um tango, por um bem querer que mora do outro lado do rio. Eu sou Brasil e sou Argentina (e por raiz um pouco Itália e Alemanha também, mas isso fica para outro post).

A Argentina saiu do mundial, mas segue com Mafalda, Piazzolla, Jorge Luis Borges, Papa, com as Cataratas de Iguazu, com Villa la Angostura, com Mendoza e com a Cordilheira. São de lá os melhores alfajores e o melhor sorvete. E facturas e empanadas. E um dos melhores vinhos do mundo.

A Argentina não será a campeã, mas é o meu melhor destino.